Com @abbcdon

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nathaniel sempre foi uma criança corajosa. crescer na natureza e entender como o mundo funcionava (principalmente o mundo de seres considerados mágicos ou supernaturais) tirava a carga de surrealismo e o fazia confiante do que esperar. por isso, nunca teve receio do escuro ou do que pudesse haver nele. mas, no início de tudo, sentia-se intimidado por abbadon e pelo completo caos da cidade. seus olhos eram diferentes de tudo o que já tinha visto, e poderia se dizer que o lobisomem nunca tinha conhecido uma figura tão peculiar como ele. depois, porém, a intimidação tornou-se algo diferente… algo que até hoje nathaniel não conseguia muito bem colocar em palavras ou rotular. estava constantemente conflituoso sobre seu relacionamento com abbadon, que não era muito bem uma amizade apesar de parecer ser o início de uma. poderia realmente ser amigo com um demônio? às vezes ele achava que sim, pois, se já estava fadado a passar a vida inteira e morrer ali, por que não? já em outras, tinha certeza de que não e a pergunta voltava até si como uma invertida: será que um demônio poderia ser amigo de alguém? abbadon certamente era curioso com sua pacata e monótona vida, pois sempre tinha perguntas demais. pôde ouvi-lo chegando de longe, a audição lupina nestas horas funcionando como uma benção. "um momento." avisou, erguendo uma mão suja de tinta para trás enquanto finalizava os últimos toques no quadro que trabalhava há pelo menos cinco horas. era uma peça um tanto quanto perturbadora: no centro, um corpo masculino puxado para trás por várias mãos que acabava se desfazendo, soltando pedaços de si. nate gostava de trazer suas ideias para o realismo, muitas vezes abordando esse lado sangrento. era melhor do que brigar, como fazia há alguns anos. "e... ok." virou-se para trás, a fim de encarar sua companhia, em expectativa da visita inesperada. puxou o ar entredentes, em certo alívio por desfazer a concentração de tantas horas, e repousou sua paleta e pinceis em uma mesinha de madeira. "e aí, o que achou?"

nate não esperava ouvir uma opinião tão sincera assim. quando mallory lhe convidou a adentrar sua mente e compartilhou sobre a sua percepção acerca da obra, sentiu as sobrancelhas se arqueando conforme imaginava as possibilidades e fazia o paralelo entre o que ele próprio queria transmitir e o que ela havia captado. a estátua tinha mesmo um rosto bonito, esculpido de memória da vida que levava no passado. e deveria admitir que vê-la destruída assim seria… no mínimo catártico. soltou um assobio baixo com a frase de desfecho impactante sobre 'todo mundo querer ser um pouquinho arruinado lá no fundo' e voltou a concentrar-se na peça, a mão livre que não segurava o cigarro indo direto para o bolso da calça jeans suja de tinta, maquinando seus próximos passos. "uau. eu poderia perfeitamente imaginar isso tudo acontecendo. talvez com terra do cemitério… seria difícil de conseguir, mas não impossível." murmurava mais para si do que para ela. ao ouvir a pergunta sobre o próprio nome, o rapaz trocou o peso entre os pés, continuando com a pose casual. deu outra tragada no cigarro, soltando a fumaça para cima antes de responder, dessa vez olhando-a diretamente nos olhos, as íris claras brilhando com certa curiosidade e diversão. "nathaniel. na verdade nate. e você?" se ela juntasse os pontos, rapidamente descobriria que ele era o dono da peça, afinal, seu nome completo estava estampado como autor no palanque de mármore. "me diz então, como é que você gostaria de ser arruinada lá no fundo? isso daí me deixou bastante curioso."

deixou escapar uma risada genuína, escutando tudo o que era dito pelo rapaz. "caralho, você elevou o meu 'achei uma merda' hein?" sentia-se leve, de certo modo. era sempre bom encontrar pessoas verdadeiramente expressivas, seja lá qual fosse o tipo de expressão. "o que eu acho é que está perfeito assim, sabia?" começou, olhando-o como se esperando permissão para continuar. "arte é subjetiva, blá blá blá, foda-se, é só um monte de material que ganhou forma e isso não é pra mim. mas, se eu fosse opinar mesmo, diria que o que me incomoda é exatamente o que me atrai: é bonito. bonito daquele jeito que não tem como errar." pessoal demais, talvez? não se importava se era esse o caso. "não fujo muito da sua ideia, inclusive. esse tipo de obra é pra você destruir e reconstruir exatamente como você quer. sem toda essa coisa calculada. deixar uma bagunça mesmo, sabe? pedaço por pedaço e tirar esse aspecto harmonioso que é dolorosamente comercial. mas, manter essa parte aqui, que deve ser o rosto. eu destruiria o corpo todo, mancharia de tinta, jogaria terra e aí, colocaria a cabeça impecável lá no topo. não está toda quebrada, ainda é bonita mas, desperta uma sensação de humanidade. porque todo mundo quer ser um pouquinho arruinado lá no fundo."

não percebeu como estava concentrada na obra em si até terminar o falatório, voltando sua atenção ao homem. "bom, pode até não ser pra mim, mas no fim sempre acabo me contradizendo. e pra você? acho que nunca perguntei seu nome, a propósito. você é...?"

a última frase de celine fez com que a água que nathaniel tomava descesse a garganta amargando. era verdade, o rapaz tinha certo dom de arruinar as coisas sem a ajuda de ninguém. bom, era o que tinha feito enquanto namorava celine, de qualquer modo, durante um dos momentos mais turbulentos da sua vida. e ela o conhecia o bastante para ver além da face estoica que ele tentava sustentar, o quanto aquilo tinha doído. parte de si se arrependia pelo modo com que as coisas tinha ficado, apesar de ambos saberem que não eram certos um para o outro. mas nate tinha feito o injustificável, e depois celine também. a maldição da bruxa tinha quase lhe custado a própria vida, algo que ele nunca iria esquecer. "sabe, cel." começou a falar após se recompor, soltando o ar entredentes. "se você vai me ofender a noite inteira, por que não faz isso enquanto jantamos juntos? pra relembrar os velhos tempos." aqueou uma sobrancelha, já desistindo da ideia de ter uma noite agradável. se ele estava no inferno… "pelo menos vou poder comer."

Um sorriso sarcástico e um olhar de desdém dominavam as feições de Celine a cada palavra proferida por Nathaniel. ❛ Acho que seria uma boa ideia você voltar a beber. Às vezes, assim você fica um pouco menos… insuportável. ❜ Ela se divertia em torturá-lo, mesmo sendo apenas com palavras, sentia que ele merecia. ❛ Ótimo saber que os negócios vão bem. Você estava precisando disso. ❜ O meio sorriso em seu rosto não escondia a rispidez com que a frase foi lançada ao homem. Fez um gesto de negação com a cabeça, observando o garçom entregar o bilhete a Nathaniel. Embora não houvesse dedo de Celine nisso, ela, por alguns segundos, desejou que estivesse envolvida, já que a decepção no rosto de Nate era exatamente o tipo de resultado que ela teria adorado ver por uma de suas façanhas. ❛ Acho que você se subestima demais, Nathaniel... Nós dois sabemos o quão capaz você é de arruinar as coisas sozinho. Não precisa ficar jogando a culpa em mim. ❜

"acho que depois disso vou ter que voltar a beber, pra aguentar as dores de cabeça que estão por vir." nate tentava não olhar celine nos olhos, parte porque ela o irritava para um caralho, e parte porque ainda sentia um pouco de vergonha. bebeu um gole de água, sentindo-se inquieto por continuar o assunto. "é. tô vendendo mais uma das minhas 'coisas'. os negócios vão bem, obrigado por perguntar." nate remexeu-se desconfortável na cadeira, irritado com o quão específica nos insultos celine poderia ser, sem se importar com a presença de outras pessoas. ela o conhecia bem até demais. "mas acho que vou acabar levando um bolo hoje." olhou-a de cima a baixo antes de completar. "já que você tá aqui, só pode significar que alguma coisa vai dar errado." e como num passe de mágica, um garçom apareceu com um bilhete para nate, que sorria amarelo. "olha só. dave pediu para remarcarmos nossa negociação. teve uma emergência familiar."

Ao olhar por cima do ombro direito, Celine confirmou, com desgosto, que a voz que ouviu era, infelizmente, de Nathaniel. Ela soltou um suspiro de descontentamento e girou o banco em que estava sentada, ficando de frente para a mesa onde o lobisomem se encontrava, com ambos os cotovelos encostados no balcão. Só então percebeu que o homem que a vinha atormentando com perguntas incessantes estava, de uma péssima maneira, apenas tentando puxar conversa ou até flertar, afinal, era sexta-feira à noite e ela estava sozinha no bar. Celine mentalmente agradeceu pelo comentário feito pelo rapaz, já que após ouvi-lo, o homem se retirou do balcão e voltou para a mesa com seus amigos. Porém, agora teria que lidar com o castigo de conversar com Nathaniel. ❛ Voltou a beber?? Ou está aqui se prostituindo pra tentar vender mais uma daquelas suas... coisas? ❜ Com as sobrancelhas arqueadas ela questionou.

LEO WOODALL as Dexter Mayhew S1.E4 · '1991' · ONE DAY · 2024

com @mindcontrcl

"eu acho que eu deveria começar a ganhar um salário também." nate constatou, rindo bem-humorado ao secar as mãos na toalha de rosto que estava sobre o ombro direito, após lavar alguns pratos no final do expediente do bule encantado. ia tanto ali, que às vezes quando estava sozinho com kath, ajudava a gerente com alguma tarefa simples ou outra. estendeu a mão para ela e pegou a vassoura, com um biquinho fingindo estar ressentido. "ou pelo menos um café de graça? qual é, eu sou o seu melhor cliente--- e ainda não deixo bagunça. achar outro igual vai ser impossível." mas nate não segurou muito a marra, voltando logo para o serviço com um sorriso no rosto. era fácil e divertido passar o tempo com ela, qualquer jeito que fosse. e era igualmente impossível não querer atormentá-la o tempo todo. "qual é, kath. vai só ficar me olhando fazer tudo sozinho? vou realmente começar a cobrar. e caro."